terça-feira, 16 de dezembro de 2008

salazarento país triste

O dedinho hoje está perplexo. Têm-lhe acontecido coisas que não esperava. Pensava ele que a afirmação positiva, talvez truculenta, mas positiva, daquilo que pensa era um valor inquestionável. Ou, pelo menos, não atacável directa e torpemente. Hoje, o dedinho foi punido porque há quem domine e possa punir e há quem não domine e tenha que ser caladito, bajuladorzito. Hoje o dedinho foi punido, mas quem puniu não deu a cara. Falta de tomates, pensou o dedinho. E deitou-se, triste, triste!

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

um sapato iraquiano

Um jornalista local sinalizou as despedidas de George W. Bush ao Iraque atirando-lhe um (ou talvez dois) sapato(s). O dedinho, que tem horror à agressão física, não deixa de achar apropriado. Porque, para lá de todos os terrorismos e para lá de todas as polícias anti-terroristas (e anti-outras coisas), há sempre um sapato que voa em direcção a quem o merece. A «inteligência» militar pode ser, embora por vezes se esqueça, altamente eficaz a desmembrar grupos, a evitar ataques, mas nada pode contra a decisão livre e autónoma de um homem só que, com um gesto simbólico, dá uma sapatada na ideia reverencial dos poderes. Já a esquiva de Mr. W. Bush, essa, simboliza a capacidade desse mesmo poder para sobreviver a tudo (humilhações incluídas) e reerguer-se sorrindo, como quem sabe que há formas de domínio que são eternas. Serão?

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Transversalidades ofensivas

O dedinho tem estado a revisitar uns textos já com um ano, matéria de um encontro chamado Teatro Europa, que se propôs reflectir (!), em conjunto com amigos europeus, sobre as políticas públicas para a cultura na Europa. Aqui fica uma condensação (com o dedinho do dedinho) da comunicação de Bernard Stiegler, um dos mais incisivos filósofos contemporâneos e director do departamento de desenvolvimento cultural do Centro Georges Pompidou.


Je crois que la culture devrait être au cœur de la politique européenne. La culture, dans les décennies à venir, elle sera de plus en plus au cœur de l’axialité économique. Il y a, évidemment, un risque d’instrumentalisation de la culture par le capitalisme culturel, mais, de tels risques, il faut absolument les courir. Car le danger à ne pas les courir, c’est de se retrouver définitivement enfermé dans une réserve d’Indiens.
Les technologies culturelles sont devenues des technologies de contrôle de l’activité intellectuelle et affective des individus. Cela résulte d’un système industriel qui repose essentiellement sur l’opposition producteur-consommateur. Ce modèle ne peut plus durer, il est épuisé. On ne consomme pas des ouvres d’art, on ne consomme pas des spectacles, des concerts, des livres de philosophie, de littérature ou de science. On s’acculture avec ces objets, on participe à leur devenir, on s’implique, on est transformé par la chose et on participe à la transformation de l’acception de cette chose elle-même. Tout cela entraîne un processus qui est en train de se déployer d’une manière formidable avec l’apparition des technologies numériques. Je crois que ces technologies sont l’équivalent de l’écriture à l’époque des grecs, l’écriture qui était à l’origine de l’apparition du Théâtre et qui a engendré toute la grande tradition culturelle occidentale…
Nous vivons, aujourd’hui, une énorme transformation qui modifie très profondément les rapports entre le public, les oeuvres et leurs auteurs. Nous avons un problème de segmentation entre politique culturelle, politique éducative, politique scientifique, politique industrielle; nous ne pouvons plus fonctionner comme ça. Il faut absolument que le monde culturel en prenne conscience et qu’il s’engage résolument dans des collaborations transversales, sans complexes, sans avoir peur, sans se faire trop d’illusions, non plus, mais en étant offensif et ne pas défensif. Il faut absolument que le théâtre, les arts plastiques, la philosophie fassent une véritable analyse historique, stratégique et géopolitique de ce qui se passe en ce moment, en prenant véritablement en compte ce qui se développe à travers ce qu’il faut appeler des technologies culturelles, des technologies cognitives.
En 1998, Rupert Murdoch a dit, dans une réunion organisée par Catherine Trautmann, «si vous voulez faire l’Europe donnez-moi les clés, je vous ferai l’Europe. Pourquoi? Parce que je vous entraîne des industries culturelles européennes». C’est comme ça que ce sont faits les États Unis d’Amérique. À travers une politique culturelle qui était aussi une politique industrielle. Cette machine à produire du désir a produit le mythe de l’Amérique, a produit la force de l’Amérique, sans produire que des déchets culturels, mais aussi des choses fabuleuses. Tout cela devrait nous faire réfléchir aujourd’hui. Nous, les européens, nous devons inventer un nouveau modèle industriel. Ce nouveau modèle industriel, il ne devrait plus reposer sur la consommation et la production de CO2, mais sur la sublimation, et ce que j’appelle la contribution, en fait la production de culture par tous. C’est tout à fait possible. Les technologies sont là pour le faire, en plus.
Aujourd’hui, il faut développer de vraies politiques culturelles et industrielles publiques, au niveau de l’Union Européenne. Il faut que les artistes, les intellectuels se mobilisent en disant à Monsieur Barroso, à la Commission, à tous: «nous sommes présents, nous voulons nous mobiliser, nous voulons contribuer à un projet européen».

Montage d’extraits de la communication proférée à Porto par Bernard Stiegler, le 7.12.07, dans le contexte de la rencontre Teatro Europa, organisée par le Teatro Nacional São João et l’Union des Théâtres de l’Europe, avec la collaboration de la Convention Théâtrale Européenne et le Relais Culture Europe.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Era uma vez um país...

O dedinho acordou sobressaltado, na noite passada, e gritou: «Somos mesmo aquele país que descobriu o caminho para a Índia, por entre monstros mitológicos (os mais perigosos, como todos sabem), recifes humanos, montados em caravelas que eram como renault 5's mal amanhados? Somos mesmo? Como pôde ter acontecido? Não é este o país onde a singularidade é amarfanhada em nome dos interesses de meia dúzia de pessoas que tomaram conta e pensam que são os únicos seres superiores?». Depois de tranquilizado, o dedinho voltou a adormecer. De manhã, não se lembrava de nada.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

+ por -

O dedinho tem andado tão confuso e desanimado que perdeu o impulso para escrever. Felizmente, ou não, quando isso acontece, aparece um desafio que acaba por levar as letras ao sítio e alinhar um texto. Desta vez, o desafio veio da revista Obscena, que acaba de publicar o número de Novembro/Dezembro e dedica um «dossiê» ao orçamento do Ministério da Cultura para 2009. Para além deste texto, o dedinho recomenda a leitura de todo o dossier.


A questão dos recursos financeiros colocados à disposição das actividades culturais e artísticas é de natureza política, muito mais do que económica. É uma questão que interroga as missões fundamentais do Estado, o conceito de sociedade que propomos ou, em última análise, o paradigma humano que perseguimos.

Quando o Ministro da Cultura afirma que «Pessoa vale mais do que a PT, enquanto produto de exportação» está a incorrer numa confusão que, mais do que conceptual, chega a ser ontológica. Quando afirma, no documento de enquadramento do Orçamento para 2009, que dará prioridade à criação de «um instrumento de mercado, dirigido ao investimento nas indústrias criativas e culturais, sob a forma de um fundo de capital de risco», está a deixar-se deslumbrar por uma linguagem e por um aparelho ideológico que, se pode de facto responder com alguma eficácia a um determinado conjunto de mercados (ligados necessariamente às práticas artísticas reprodutíveis e, portanto, passíveis de industrialização e de consumo de massas), deixa irremediavelmente de fora o coração mesmo da actividade de um Ministério da Cultura.

Há que saber distinguir, em primeiro lugar, entre a actividade artística nuclear e as indústrias culturais. O gesto artístico de base, cadinho sem o qual o restante edifício não se sustenta, caracteriza-se por uma economia de protótipo, não reprodutível, não massificável, na qual o custo de investimento não pode de nenhum modo ser «rentabilizado» através de uma «cadeia de valor». Se isto é verdade para algumas formas de artes visuais, como a pintura ou a escultura, é-o muito mais para as artes colectivas como o teatro ou a dança. Estas práticas artísticas sofrem da chamada «doença de Baumol», assim teorizada, já nos anos 60, por este economista da cultura: em 1664, precisávamos de duas horas e doze actores para representar o Tartufo; em 2008, continuamos a precisar de duas horas e doze actores. Não há ganhos tecnológicos ou novos procedimentos que evitem este «impasse» produtivo. Ora, a criação artística colectiva implica, mesmo assim, um forte investimento em capital humano, implica formas de organização complexas que, na sociedade em que vivemos, não podem estar dissociadas de custos importantes. E mesmo no que se refere a práticas artísticas mais industrializáveis, apenas a criação «mainstream» pode almejar à rentabilidade. O que exclui desde logo as práticas experimentais, ou não necessariamente maioritárias, que visam um conjunto de fruidores que não será necessariamente tão numeroso que permita economias de escala. Muito mais, neste mundo globalizado em que vivemos, se nos reportarmos a um país pequeno com uma língua minoritária.

A pergunta que devemos colocar a nós próprios desloca-se, então, para outro território, o da política. Devemos, enquanto comunidade organizada, sustentar os custos da criação artística? Em caso afirmativo, porquê? O que equivale a perguntarmo-nos a que modelo de sociedade e de cidadão nos reportamos. Desejamos ser um mero conjunto de animais humanos, portadores das mesmas referências, pragmatizados em função de simples resultados económicos e funcionais, tendentes ao consenso abúlico perante questões existenciais? Ou, pelo contrário, compreendemos o sentido crítico, a capacidade de elaboração, de invenção de novas formas, como algo de desejável? Queremos cidadãos independentes, trabalhadores com sentido de autonomia, ou meros depositários da decisão hierárquica e da propaganda do poder? Trinta e quatro anos depois da nossa transição democrática, parece ser ainda difícil responder a uma questão tão simples. A mera confusão ente entretenimento e fruição artística (hoje tão comum que leva mesmo a Ministra cessante a defender, sem se rir, um Ministério da Cultura e do Turismo) deriva desta indecisão matricial. O poder esqueceu (ou já não quer saber) que a leitura poética do mundo ou a sátira são elementos de inquietação, às vezes de ruptura, muito poucas vezes de coesão. Que a sua justificação última, mesmo de um ponto de vista cínico, poderá ser o facto de, no fundo, protegerem quem exerce o poder contra as suas piores derivas, permitindo-lhes uma imagem crua do seu próprio excesso.

O acesso à criação e à fruição artísticas, direito garantido em abstracto pelo art. 78º da nossa Constituição, contribui, de uma maneira que mercado algum sabe sequer avaliar, para a qualificação das pessoas e para a sua capacidade de intervenção cidadã. O que, em última análise, justifica o investimento na criação artística, sem paninhos quentes, como um investimento nos cidadãos. Um investimento imperativo, de acordo com o sistema político-constitucional que (ainda) nos rege. Um investimento que, ainda por cima, é geometricamente cumulativo: Roger McCain chama «gosto», no contexto da economia da cultura, a um «activo económico específico que provém tanto da formação específica para apreciar os bens culturais, como da quantidade de bens do mesmo tipo consumidos anteriormente». O que, a um tempo, deita por terra o argumento populista de que deve dar-se ao povo aquilo de que o povo gosta e aproveita ainda para recolocar no sítio próprio a tal questão da «rentabilidade» do investimento.

O problema, aparentemente, estará em saber como concretizar esse tal direito à criação e à fruição que a Constituição nos garante. Ultimamente, parece pensar-se que a eficácia nessa concretização poderá ser garantida através da aplicação ao domínio cultural das regras dessa coisa inefável a que hoje se chama «gestão». Que essa eficácia pode ser mensurável através de qualquer coisa palpável a que não resistiríamos a chamar «indicadores». Assim se inventou a empresarialização das estruturas públicas de criação, com a correspondente imputação de modelos de gestão e de «accountability» que provêm da ideologia dos mercados (não integrando sequer a recentíssima ideia de que estes implodiram por força das suas regras internas).

Mito dos tempos modernos, a «gestão» seria pouco mais ou menos uma ciência abstracta com virtualidades mágicas, capaz de pôr finalmente os artistas nos eixos e revesti-los da seriedade que a coisa económica exige. Por isso se nomeiam, neste pequeno país confuso, banqueiros para cargos de topo na administração de processos culturais. Por isso se promovem as miríficas parcerias público-privadas em que o estado investe e os privados gerem. Por isso as EPEs do Ministério da Cultura se aparelham de Conselhos de Administração ao lado (ou acima) da respectiva Direcção Artística. Assim se compromete a lógica própria de uma actividade simples, que não tem outra ciência senão a criação segundo as suas regras próprias e a sua mediação com públicos progressivamente mais alargados e penetrando mais fundo no todo social, por um lado, e a boa administração de um orçamento que se desejaria suficiente e gerido com probidade, por outro. Assim se compromete, portanto, a «rentabilidade» específica de um processo, em nome de uma outra rentabilidade que é inalcançável.

Neste contexto, não é de admirar que os orçamentos do Ministério da Cultura desçam todos os anos até à patética fracção de 0,3% do Orçamento Geral do Estado na qual se encontram presentemente. Não se sabendo para o que serve nem se confiando na dupla capacidade dos profissionais e das entidades públicas para garantir a tal probidade, não se percebendo que não se trata de um custo, mas sim de um investimento, é natural que os Ministros das Finanças deste mundo procurem poupar aqui uns tostões. Por falta de visão política ou pela afirmação de uma visão política que, se fosse declarada às claras, seria considerada inaceitável. Mas também por incompetência técnica, pela incapacidade dos gestores políticos sectoriais de compreender o fenómeno e tratá-lo na sua devida dimensão.

Fechando o círculo, repito que a questão da cultura é política e não económica, e muito menos financeira. O orçamento do MC para o próximo ano corresponde a um vigésimo do que o primeiro-ministro anunciou, em 2004, que cortaria à despesa pública até ao final da legislatura. Um vigésimo da «gordura» orçamental! Se tivesse cumprido o seu programa de governo (pausa para gargalhadas), triplicá-lo-ia e, mesmo assim, chegaria apenas a um sexto vírgula seis do problema. O que, para a gestão dos dinheiros do Estado são amendoins. Que bem distribuídos a estes macacos que somos todos nós, garantiria o começo de qualquer coisa que nos transformaria finalmente num país mais aceitável.

Enfim, multiplicar menos por mais dá, aritmeticamente, qualquer coisa de negativo. Como qualquer miúdo da quarta classe saberá explicar.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Cultura, pra que te quero?

O estado inane da cultura, segredava-me há pouco o dedinho, bem como a ausência de políticas consequentes num domínio que é tão essencial à qualificação das pessoas como imprescindível para a compreensão crítica que as sociedades têm de si próprias, não são, consolemo-nos, exclusivo português. O presidente Nicolas Sarkozy, essa espécie de Pedro Santana Lopes a sério, como lhe chamava há dias Ricardo Pais, «s'emmerde» quando, por mera distração, entra num Teatro. Não compreende um gesto artístico que não seja motivado pela necessidade de «entreter», nem imagina uma actividade que não procure a legitimação do número. Ou que, no limite, não exalte «o sucesso, a excelência, a conquista e o domínio do mundo».
Um Presidente assim rompe um consenso que, anterior a Louis XIV, durou em França até François Miterrand. Que permitiu aquilo que em Portugal seria um paradoxo: os dois ministros da cultura mais emblemáticos do séc. XX são André Malraux, gaullista de direita, e Jack Lang, socialista de esquerda.
Mas, num país como a França, a atitude do estadista encontra uma sociedade que se lhe opõe. Ou que, pelo menos, demorará a aceitá-la.
Já entre nós, lembrou o dedinho, o desinvestimento e a desconsideração que qualquer dos nossos profundamente incultos governantes se lembre de fazer na cultura e nas artes encontra eco, não apenas popular, mas igualmente entre as «elites».
Veja-se o caso paradigmático de Pacheco Pereira, intelectual financiado pelo Estado que abomina o financiamento do estado à cultura e, portanto, se tornou no paladino de Rui Rio e da sua política populista. Veja-se o caso da reiterada proposta de «acabar de vez com o Ministério da Cultura», há tempos afirmada pelo Administrador de Serralves, Gomes de Pinho, e ontem retomada em crónica no Público pelo arquitecto Walter Rossa, emérito professor de Arquitectura na Universidade de Coimbra.
Compreendo, terminava o dedinho, que perante tanta incompetência e inutilidade se proponha acabar com a coisa, mas já ninguém se lembra da parábola do bébé e da água do banho?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Obama, pra que te quero?

O dedinho nem estava para seguir noite eleitoral nenhuma. Tem andado constipado e precisa, sobretudo, de dormir. No entanto, entusiasmou-se com a primeira ronda internáutica pelas televisões internacionais, foi ficando... Inevitavelmente, adormeceu no sofá. Acordou, dormente, pelas quatro e meia ao som de uma voz reconhecível que discursava. Era Mr. McCain que fazia o seu discurso de derrota. Missão cumprida, pensou. Depois, não pôde evitar pensar também que as eleições americanas são sempre uma espécie de armadilha mediática, às quais prestamos atenção como se fossem nossas, como se tivessem realmente o poder de mudar o mundo. Depois, lembrou-se dos milhares de milhões de dólares que custa uma campanha (sobretudo a de Obama, a mais cara de sempre) e pensou na crise e noutras coisas igualmente tristes. Ficou tão triste, tão triste, que aterrou na cama a lembrar-se desse grande «pensador» português que repete incessantemente: «Não há almoços grátis»...

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A cultura que dá lucros...



Se o ridículo matasse, já não existiria o problema da sobrepopulação mundial! Fala-se de «lucros» numa instituição pública artística portuguesa? Com um investimento público de perto de vinte milhões de euros, mais um milhão, duzentos e cinquenta mil de mecenato privado (em retracção, porque será?), mais dois milhões, cento e quarenta e quatro mil euros de bilheteira e rendimentos de exploração de «eventos»? Eu ainda sou do tempo em que um gestor público artístico era reprovado se não conseguisse gastar os recursos que tem à disposição para cumprir a sua missão. Significava apenas que não tinha cumprido a missão; ou então, que tinha calculado mal os recursos de que necessitava. Agora, publicitam-se «lucros»!! É pena que as pessoas, incluindo os próprios gestores públicos artísticos, não percebam os riscos absurdamente elevados que corremos com a empresarialização das estruturas e, sobretudo, dos discursos. Mais cedo do que esperamos, o discurso toma conta da realidade e lá se vai qualquer justificação para o investimento público na área da cultura. No meio disto, o meu dedinho faz apenas uma pergunta, que espera não incomode: com lucros destes, porque é que a notícia diz que o estado deverá proceder a um aumento do capital social no valor de dois milhões de euros?

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

já nem a bola...

O dedinho, hoje, pôs-se a ver a bola. Acabou a achar que ele, sozinho, só com uma perna, era capaz de ganhar. Se não à Albânia, pelo menos a Portugal. Agora sim, pensou, a crise está mesmo aí...

crisis? what crisis?

Embalados pelo lento cair da folha, neste outono atípico, cheio de nevoeiro, sol e calor, acordamos um dia a pensar que o mundo ruiu, no seguinte acreditamos piamente que o mundo se levantou e, no fundo, no fundo, ainda não experimentámos nada.

Tudo parece passar-se no limbo televisual onde as estrelas são obama e a sua beleza dermoestética, sarko e a beleza da sua conjugalidade, sarah pallin e o feio horrível de ver como o criptofascismo volta a funcionar...

Porém, lembram-se da Argentina, um dos países emergentes dos oitenta que colapsou nos noventa? Repararam na Islândia, segundo país do mundo em índice de desenvolvimento humano, que vive hoje a dura realidade do racionamento de combustíveis e alimentos: algo que a europa pensava ter enterrado quando enterrou o senhor adolfo e começou um ciclo de crescimento (aparentemente) imparável com a ajuda do senhor marshall?

A crise, meus amigos, é sistémica. A fronteira entre a economia financeira e a economia real (estratagema que políticos e banqueiros usam hoje para exorcisar os nossos fantasmas) é virtual e ilusória.
A banca, as bolsas e outros quejandos rebentaram (ou vão ainda rebentar) porque o sistema é insustentável: vivemos na mirífica realidade de um suposto capitalismo financeiro que apenas emergiu porque alguém esqueceu pelo caminho a importantíssima (e básica) necessidade de socialização do rendimento. Não, não estou a falar de socialismo, nem de comunismo, nem de outros ismos que a história foi inventando para justificar regimes políticos que, no fundo, no fundo, nunca se diferenciaram tanto como isso (alguém duvida que a URSS era um mero compromisso entre o feudalismo da rússia czarista e uma antecipação visionária do capitalismo de estado que hoje vivemos?).

Estou a falar de uma coisa mais simples, mais humana, que tentarei explicar sucintamente.
Aquilo a que chamo rendimento não é mais do que o conjunto da riqueza gerada pelos processos de produção de bens e serviços. Quando a produção desta riqueza se baseava substancialmente no trabalho directo, a distribuição do rendimento estava mais ou menos assegurada através dos salários, apesar das enormes injustiças... Hoje, com a explosão tecnológica, o trabalho directo tornou-se, em grande medida, dispensável. Com (apenas) algum exagero, poderemos dizer que boa parte dos processos industriais estão no limiar de dispensar a presença física de trabalhadores.

Ora, o que acontece então ao dito rendimento? Verticaliza-se, o que é dizer que sobe vertiginosamente até ao topo da escala social, deixando a base seca, desertificada.
Ora, por outro lado, a economia (real) destes dias depende do consumo de massas.
Ora, se as massas estão descapitalizadas, quem consome o consumo de massas?
É por isso que tudo o que significa consumos de luxo está florescente como nunca e tudo o que depende do consumo de massas está em crise.
É aqui que podemos encontrar a natureza desta crise.
É óbvio que os disparates especulativos da alta finança aceleraram e puseram a nu o desequilíbrio sistémico em que vivemos.
Mas são apenas a árvore que esconde a floresta!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Para que serve o Teatro?

perguntam-nos:
para que serve o teatro?

diremos que é preciso deixarmo-nos devorar
entregarmo-nos a um fogo
que arde e queima
e não o vemos e não sabemos onde.

diremos que a vida é uma roleta
apanha-nos sempre noutro algures: vermelho, ímpar
diremos que é bom entrever, ensaiar futuros possíveis
fragmentos, lampejos de coisas ausentes.
diremos que o ar que respiramos
o ar que respiramos
é já teatro; é pó trágico do teatro

perguntamos: para que servimos nós?

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Emigrar! Mas para onde?

O milénio começou há oito anos (sete, para os mais puristas). Desde então, quantas mudanças! Malta que nasceu em 2001, tem agora sete anos! Malta que era jovem, então, está hoje a fazer contas às suas expectativas e aos seus projectos e a tentar perceber porque perdeu tanto tempo a dar para peditórios alheios. Malta que era velha não estará já eventualmente por aí.
Desde que o milénio começou, o clima avariou. Desde que o milénio começou, o país empanou e parou. Foi o Durão, que agora é Barroso e europeu, foi o Santana que é obviamente Lopes e pronto, foi o Sócrates que afinal é Pinto de Sousa e engenheiro, e tudo. É o Rio e agora vou tentar não chorar. Foi Sasportes, foi aquele senhor que agora é o cão de fila do Governo, foi Roseta/Amaral Lopes, foi Bustorff/Caeiro, foi Pires de Lima/Vieira de Carvalho, agora é Ribeiro e já ninguém se lembra onde desagua.
O Ministério da Cultura , que foi uma invenção de impacto civilizacional, há apenas 13 anos, foi morto e enterrado pelo mesmo PS que o inventou. É hoje um farrapo que, a partir do próximo ano, será apenas o buraco do farrapo. Um corte de 21% (se bem sabe o meu dedinho, que leu a coisa nos jornais e por isso faz um esforço para acreditar) em cima de um orçamento que já era uma piada, é um insulto para um país que se quer qualificado, é um magalhães ao contrário porque se calhar não dá lucro às telefónicas nem é exportável para a Venezuela. Emigrar, sim, mas para onde?

Olá, olá!

O dedinho manda dizer que não tem culpa. Avisa, avisa, não pára de falar! A culpa é dos outros dedinhos que não querem escrever o que ele diz.

terça-feira, 11 de março de 2008

Perestroika

I
Bem vindos, dizia há dias o meu dedinho, à república das reestruturações.

II
Tudo estava, segundo Sócrates, mal (e não pode deixar de se lhe dar razão). Tudo tem que estar, segundo Sócrates, bem.

III
Para que assim seja, avalia-se o existente, decreta-se o vindouro, encolhe-se o país, anula-se a ineficácia – e com ela o ineficaz – faz-se, enfim, GESTÃO!

IV
Há décadas (!) que esperamos que a gestão do Estado (nós todos juntos a pagarmos impostos para que determinados serviços nos sejam assegurados) encarreire no sentido de nos garantir aquilo para que deveria servir sem custar um custo escandaloso. Ainda não conseguimos. O custo está, ao que parece, um bocadinho menos escandaloso, mas não paga o que deveria pagar. A saúde. A educação. O exercício e o acesso à cultura e às artes. E uma ideia vaga de justiça: no sentido literal; ou no outro, mais filosófico.

V
Pela amostra, mais umas décadas esperaremos.

VI
O défice de gestão é o verdadeiro problema da coisa pública (e boa parte do da privada, também...), todos sabemos. A gestão da coisa pública é feita, recordemos, pelos políticos que se sucedem na sua própria irresponsabilidade, e ainda pela casta dos gestores públicos, que é constituída sobretudo por políticos desencantados, ocultos, ou, na melhor das hipóteses, em travessia do deserto.

VII
Para superar o défice de gestão, os gestores (políticos e públicos) nomeiam consultores de gestão (obrigatoriamente com os exemplos virtuosos do sector privado) para que lhes indiquem o que mudar.

VIII
O gestor que deseja superar o défice de gestão contratando o consultor de gestão, logo se vê, sublima a sua (ir)responsabilidade através da materialidade do acto em si.

IX
O gerido, o verdadeiro e único improdutivo – que logo por azar raramente tem voto na matéria (porque é a própria matéria) – é, primeiro, planificado. Depois, é estimulado. Logo depois, confuso, depara-se com os mesmos recifes de sempre, com uma realidade que não corresponde ao anúncio dessa mesma realidade. A seguir é avaliado. E depois, logo se vê.

X
E a história repete-se... Um novo Sócrates virá. Alguns mortos depois...

XI
E dificilmente alguém alguma vez compreenderá que a gestão não é uma ciência abstracta. Que apenas se gere o que se exerce. Na exacta complexidade em que se compreende e desenvolve aquilo que se exerce. Considerando todas as pessoas reais implicadas nessa complexidade e sabendo como extrair o mais útil e mais criativo de todas elas.

XII
E o resto... é conversa!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A cultura da economia

Acordei de súbito, há dois dias, com o meu dedinho a sussurrar-me que a Ministra da Cultura tinha sido remodelada. Que o novo Ministro se chamava Ribeiro. Pinto Ribeiro. António Pinto Ribeiro. José, acrescentou.
Passada a confusão inicial, restava ver quais os atributos do novo responsável por uma área cuja importância no Governo tem sido absolutamente marginal e, em consequência, se esta alteração poderia significar que, em fim de mandato, a Cultura pudesse finalmente ter um lugarzinho na acção governativa.
Até agora, fui apenas capaz de duas pequenas reflexões: primeiro, não deixa de parecer positiva a presença de alguém com peso político a defender a Cultura no Conselho de Ministros. Mas logo depois – e dado que o novo Ministro já disse, apesar de ainda não conhecer os dossiers, que deseja fazer "mais e melhor com menos meios" – não deixa de parecer que a nomeação de um "advogado da banca", como é apresentado, se destinará a captar dinheiros privados, a título de mecenato, para um ano e meio de aparente investimento (talvez eficaz em período eleitoral, conhecida que é a capacidade mediática dos artistas e gestores da cultura) que deixará, no final, ainda mais pobre aquilo que já é paupérrimo. A ver vamos, como dizia o cego...