sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A cultura que dá lucros...



Se o ridículo matasse, já não existiria o problema da sobrepopulação mundial! Fala-se de «lucros» numa instituição pública artística portuguesa? Com um investimento público de perto de vinte milhões de euros, mais um milhão, duzentos e cinquenta mil de mecenato privado (em retracção, porque será?), mais dois milhões, cento e quarenta e quatro mil euros de bilheteira e rendimentos de exploração de «eventos»? Eu ainda sou do tempo em que um gestor público artístico era reprovado se não conseguisse gastar os recursos que tem à disposição para cumprir a sua missão. Significava apenas que não tinha cumprido a missão; ou então, que tinha calculado mal os recursos de que necessitava. Agora, publicitam-se «lucros»!! É pena que as pessoas, incluindo os próprios gestores públicos artísticos, não percebam os riscos absurdamente elevados que corremos com a empresarialização das estruturas e, sobretudo, dos discursos. Mais cedo do que esperamos, o discurso toma conta da realidade e lá se vai qualquer justificação para o investimento público na área da cultura. No meio disto, o meu dedinho faz apenas uma pergunta, que espera não incomode: com lucros destes, porque é que a notícia diz que o estado deverá proceder a um aumento do capital social no valor de dois milhões de euros?

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

já nem a bola...

O dedinho, hoje, pôs-se a ver a bola. Acabou a achar que ele, sozinho, só com uma perna, era capaz de ganhar. Se não à Albânia, pelo menos a Portugal. Agora sim, pensou, a crise está mesmo aí...

crisis? what crisis?

Embalados pelo lento cair da folha, neste outono atípico, cheio de nevoeiro, sol e calor, acordamos um dia a pensar que o mundo ruiu, no seguinte acreditamos piamente que o mundo se levantou e, no fundo, no fundo, ainda não experimentámos nada.

Tudo parece passar-se no limbo televisual onde as estrelas são obama e a sua beleza dermoestética, sarko e a beleza da sua conjugalidade, sarah pallin e o feio horrível de ver como o criptofascismo volta a funcionar...

Porém, lembram-se da Argentina, um dos países emergentes dos oitenta que colapsou nos noventa? Repararam na Islândia, segundo país do mundo em índice de desenvolvimento humano, que vive hoje a dura realidade do racionamento de combustíveis e alimentos: algo que a europa pensava ter enterrado quando enterrou o senhor adolfo e começou um ciclo de crescimento (aparentemente) imparável com a ajuda do senhor marshall?

A crise, meus amigos, é sistémica. A fronteira entre a economia financeira e a economia real (estratagema que políticos e banqueiros usam hoje para exorcisar os nossos fantasmas) é virtual e ilusória.
A banca, as bolsas e outros quejandos rebentaram (ou vão ainda rebentar) porque o sistema é insustentável: vivemos na mirífica realidade de um suposto capitalismo financeiro que apenas emergiu porque alguém esqueceu pelo caminho a importantíssima (e básica) necessidade de socialização do rendimento. Não, não estou a falar de socialismo, nem de comunismo, nem de outros ismos que a história foi inventando para justificar regimes políticos que, no fundo, no fundo, nunca se diferenciaram tanto como isso (alguém duvida que a URSS era um mero compromisso entre o feudalismo da rússia czarista e uma antecipação visionária do capitalismo de estado que hoje vivemos?).

Estou a falar de uma coisa mais simples, mais humana, que tentarei explicar sucintamente.
Aquilo a que chamo rendimento não é mais do que o conjunto da riqueza gerada pelos processos de produção de bens e serviços. Quando a produção desta riqueza se baseava substancialmente no trabalho directo, a distribuição do rendimento estava mais ou menos assegurada através dos salários, apesar das enormes injustiças... Hoje, com a explosão tecnológica, o trabalho directo tornou-se, em grande medida, dispensável. Com (apenas) algum exagero, poderemos dizer que boa parte dos processos industriais estão no limiar de dispensar a presença física de trabalhadores.

Ora, o que acontece então ao dito rendimento? Verticaliza-se, o que é dizer que sobe vertiginosamente até ao topo da escala social, deixando a base seca, desertificada.
Ora, por outro lado, a economia (real) destes dias depende do consumo de massas.
Ora, se as massas estão descapitalizadas, quem consome o consumo de massas?
É por isso que tudo o que significa consumos de luxo está florescente como nunca e tudo o que depende do consumo de massas está em crise.
É aqui que podemos encontrar a natureza desta crise.
É óbvio que os disparates especulativos da alta finança aceleraram e puseram a nu o desequilíbrio sistémico em que vivemos.
Mas são apenas a árvore que esconde a floresta!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Para que serve o Teatro?

perguntam-nos:
para que serve o teatro?

diremos que é preciso deixarmo-nos devorar
entregarmo-nos a um fogo
que arde e queima
e não o vemos e não sabemos onde.

diremos que a vida é uma roleta
apanha-nos sempre noutro algures: vermelho, ímpar
diremos que é bom entrever, ensaiar futuros possíveis
fragmentos, lampejos de coisas ausentes.
diremos que o ar que respiramos
o ar que respiramos
é já teatro; é pó trágico do teatro

perguntamos: para que servimos nós?