segunda-feira, 17 de setembro de 2007

«Cooperação cultural multilateral»

Esta manhã, participei num seminário sob o tema «Pratiques Innovantes des Professionels e Pratiques Innovantes des Colectivités en Matière de Coopération Multilatérale». Foi às 10h, no Passos Manuel e os intervenientes foram: Donato Giuliano (Région Nord-Pas de Calais), Isabel Barros (Balleteatro), Pascal Brunet (Relais Culture Europe), Nuno Casimiro (técnico da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte), Isabel Alves Costa (FIMP), José Luís Ferreira (Relações Internacionais do TNSJ) e Catherine Dunoyer de Ségonzac (Danse à Lille).

O nome é assim mesmo, em Francês, porque o seminário foi co-organizado pelo Balleteatro e pelo festival Danse à Lille, no contexto de um projecto multilateral, chamado Réperages.

O meu trabalho tem-me levado a participar em inúmeros destes debates, em Portugal ou, sobretudo, no estrangeiro. Sei de experiência própria que nós, portugueses, temos que armar-nos duplamente, nestas situações: temos que conhecer bem (como os outros) os princípios de fundo e os mecanismos nacionais e comunitários da cooperação multilateral no domínio cultural; e, depois, temos que puxar de toda a nossa habilidade discursiva para explicar aos outros porque é que (quase) nada disto funciona em Portugal.

Hoje, para começar, ouvimos o responsável da região Nord-Pas de Calais (extremo norte da França) explicar a aposta de recurso ao domínio cultural para reabilitar uma região em perda depois do encerramento de boa parte das mega-indústrias que a sustentavam. Ouvimos como se pode desenhar um plano a dez anos, estudando os recursos a investir e o modo de os investir onde eles melhor se reproduzem. Ouvimos os montantes investidos (apenas possíveis, mesmo em França, a uma escala regional e quando essa região considera o factor cultural como prioritário): 47 milhões de euros, só no ano que precedeu a Capital Europeia de Cultura em 2004.

E depois ficamos a ouvir-nos dizer não apenas da penúria financeira (que traduz, não uma penúria geral, mas a posição secundaríssima que o Ministério da Cultura tem na distribuição de recursos), mas sobretudo da penúria política, da incapacidade em compreender sequer onde e como investir o pouco que sobra. Ficamos a pensar como conseguimos esmifrar e multiplicar orçamentos estagnados há dez anos e continuar a cumprir uma missão de serviço público que entendemos como essencial para a cidade, a região (se houvesse!) e o país. Como conseguimos o milagre de internacionalizar uma parcela do teatro português sem um esboço sequer de concertação institucional.

Diga-se, em abono da verdade, que a impolítica cultural da cidade do Porto é apenas um reflexo (ainda que agigantado e tornado transparente) da impolítica cultural que nos assola a níveis mais elevados.

Curiosamente, é exactamente a cooperação multilateral que pode dar-nos algumas chaves de sucesso: aí, no domínio das capacidade de desenho e execução de projectos de criação, somos tão bons como todos os outros…

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Eu vou passar o meu 5 de Outubro na Cândido dos Reis. E você?

Como vai começando a ser do conhecimento público, a Câmara do Porto resolveu não autorizar a realização de uma festa chamada «E se esta rua fosse minha?», a organizar pelo bar Plano B no próximo dia 5 de Outubro. Não autoriza porque a festa implica o fecho da rua, coisa que a CMP considerará prejudicar abusivamente o pobre portuense (5 de Outubro, sexta-feira, feriado!!! Cândido dos Reis!!! estão a topar?!!!).

Numa cidade que vive, no plano da sua afirmação simbólica, de dois eventos ruidosos, poluentes e que obrigam ao fecho interminável de vias estruturantes da cidade, numa cidade onde a gestão das obras é vergonhosamente incompetente (prazos absurdos, com a lentidão dos trabalhos em curso à vista de toda a gente; falta de um tratamento minimamente digno dos caminhos de cabras que servem de passagem aos peões; falta de delimitação visual e acústica dos espaços em obras), a decisão da CMP é um insulto.

Porto, Porto, onde estás tu? Eu, no dia 5 de Outubro, vou estar na Cândido dos Reis, festa ou não festa. E você?

Nota: para mais informação sobre este caso, sobre a cidade e sobre os sobressaltos que os seus habitantes ainda vão tendo com a situação catastrófica da cidade, ver o blog A Baixa do Porto

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

A prova de que voltei...

Estou agora mesmo, enquanto teclo, a começar a ler uma coisa que me parece absolutamente essencial: um volumezinho chamado «De la misère symbolique. 1: L'époque hyperindustrielle». Da autoria de Bernard Stiegler, um híbrido de filósofo e gestor das artes (ou então não é um híbrido, porque, resolvida a questão da imodéstia, não se pode ser uma coisa sem a outra…). O segundo tomo, que está já ali ao lado, chama-se «La catastrophè du sensible». A miséria do simbólico!! A catástrofe do sensível!! Será um tratado sobre o Porto? Infelizmente, não (seria fácil, se assim fosse… bastaria emigrar, talvez para Gondomar, onde os futebóis são outros). É um relatório de uma catástrofe mais global: aquela onde o «narcisismo primordial» foi consumido por uma incapacidade de entender a «poesia», onde a líbido deixou de pertencer a cada um, para ser consumida pela publicidade, pela técnica de venda, que é uma técnica de consumição dos poucos recursos que sobram depois da mera reprodução da força de trabalho (ver David Ricardo e a lei de bronze dos salários, fonte da maior parte dos meus problemas de hoje).

Estou a ler e reportarei. Promessa de blogger... irregular.

Para já, fica a epígrafe, buscada por Stiegler em Deleuze, esse desconhecido que dizia umas coisas que parecem tontas às maiorias mas que redesenhou as formas de se ser humano: «Il n'y a pas lieu de craindre ou d'espérer, mais de chercher de nouvelles armes» [diria eu, numa tradução livre de francoguês, não vale a pena temer ou esperar (OK, este esperar tem que ser entendido num sentido mais cheio e o vale a pena também não seria subscrito por muita gente), mas sim procurar novas armas].

Para que o mistério adense, reproduzo também a última frase (espero não estar a derrogar direitos de autor ou a violar leis anti-terroristas), com a qual me consigo identificar completamente e que estou disposto a discutir seja com quem for: «Et c'est aussi pourquoi je le répète et je ne cesserai jamais de le répéter: dans le conflit qui m'oppose aux électeurs du Front national, je leur dis essentiellement mon amitié.» Diríamos, em portogofonês: «E é por isto que eu repito e não deixarei nunca de repetir: no conflito que me opõe aos eleitores do Le Pen, digo-lhes sobretudo a minha amizade».

Até já.

Olá, estou de volta!

Bom. Não há desculpas para um blogger que se ausenta dois dias depois de começar o seu blog e retorna meses depois como se nada fosse. À espera de que os dois ou três amigos que viram os primeiros posts ainda se lembrem que isto existe e, não sendo triste, é fado.
Voltei e não vou voltar a desaparecer. E, um dia destes esses meus três (enormes) amigos reproduzir-se-ão e mil flores emergirão e etc e tal. RESET!!!

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Manifestação frente ao Rivoli 2

Protesto (mais ou menos) silencioso reúne mil pessoas no Porto à porta do Teatro Rivoli

15.06.2007, Andréia Azevedo Soares, PÚBLICO

Traziam na mão o "R" de "Rivolução", mas a palavra de ordem acabou por ser "vergonha!".
O autarca Rui Rio e o produtor Felipe La Féria foram vaiados

O objectivo da manifestação foi alcançado: cerca de mil pessoas compareceram ontem no protesto "silencioso" (que não foi tão silencioso como isso) contra a concessão do Teatro Municipal Rivoli, no Porto, à produtora de Filipe La Féria. Nem todas traziam nas mãos a letra "R": os 800 papéis impressos e plastificados já haviam esgotado antes mesmo das 21h, ou seja, meia hora antes do desfile de convidados para a estreia do espectáculo Jesus Cristo Superstar.
"Estamos aqui em silêncio, com a nossa cidadania intacta", dizia Lino Teixeira, um dos três porta-vozes deste movimento que, segundo frisou, é de cidadãos e não de um pequeno grupo de artistas. Por outras palavras, o grupo não pretendia incomodar o espectáculo nem as personalidades para ele convidadas.
Mas a verdade é que parte dos ma-
nifestantes não resistiu a vaiar a passagem de Filipe La Féria pelo tapete vermelho que foi estendido ao longo da Praça de D. João I, nem a assobiar no momento em que Rui Rio, o presidente da Câmara do Porto, entrava num túnel forrado com plástico transparente. Sim, era preciso passar por essa tenda futurista, onde mais tarde seriam servidos aperitivos e bebidas, para chegar ao átrio do Rivoli (onde havia ainda um jovem casal, com a cerveja patrocinadora na mão, a rebolar ao som dos percussionistas que recebiam os espectadores a rufar alto e bom som). À excepção destes dois momentos de catarse popular, chamemos-lhe assim, respeitou-se o silêncio prometido até às 21h30. Depois disso, encheram-se os pulmões para gritar "vergonha, vergonha".
"Visto daqui, isto parece um zoológico. Passa cada bichinho!", comentava uma das manifestantes à amiga, referindo-se a figuras recorrentes nas páginas de revistas cor-de-rosa - Cinha Jardim e Lili Caneças, por exemplo. Dois turistas ingleses perguntavam por que é que havia um show a acontecer com pessoas à volta com um "R" na mão. Quando lhes explicaram que "o teatro fora privatizado" e que a letra em punho significava coisas como "Rivoli" e "Rivolução", por exemplo, os estrangeiros entusiasmaram-se e não paravam de dizer "oh, nice".
O voto de silêncio valeu também para a maioria dos rostos conhecidos - havia actores, bailarinos, produtores, músicos, jornalistas, mas também arquitectos, domésticas, estudantes -, que só prestaram declarações muito perto das 21h30. João Teixeira Lopes, do Bloco de Esquerda, descreveu a estreia de Jesus Cristo Superstar como "uma espécie de Hollywood à moda do Porto, feita à medida das elites que querem mostrar os seus melhores vestidos na passadeira vermelha". Referiu ainda que Rui Rio, ao ouvir La Féria dizer que ainda pondera se ficará ou não no teatro, deveria ter "rompido o contrato no dia seguinte".

Manifestação frente ao Rivoli

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Irreal Social...

Bom!! Mesmo muito bom!!! Sendo que o discurso em torno do Rivoli se centrava na popularização do acesso à sala municipal, eis a verdadeira democracia: o pimba das caras que são notícia, o pimba dos «smokings». Seria hilariante se não fosse profundamente triste. O direito universal de acesso a formas artísticas é uma das condições mais importantes para que sejamos capazes de discernir entre o possível e o impossível, o desejável e o indesejável. Ou seja, que comecemos a ter opiniões sobre políticas e decisões que condicionam a nossa existência. O direito universal (?!) de emoldurar o desfile triunfal das caras da «société» pimba é… outra coisa! Exactamente o inverso. Como diria o outro: «Olhem bem! estes são os ponteiros do relógio da nossa existência…»

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Por este rio...

Au-delà de l’inusable démocrati­sa­tion culturelle, la rencontre singulière et concrète de n’importe quel individu avec les œuvres d’art ou les savoirs de son temps, quelles qu’en soient la nature et la complexité, doit être reconnue comme un droit. Chacun doit pouvoir revenir sur ses pas, accéder au travail de la pensée, expérimenter s’il le souhaite un rap­port personnel à la création. Il existe pour cela notamment des lieux publics, un réseau de théâtres, de scènes nationales et de médiathèques, lesquels devraient se voir contraints de partager leurs outils, d’ouvrir des ateliers de pratique artistique ou des universités permanentes. Pourquoi cela ? Au nom de l’intérêt général et de l’utilité pu­blique. Au nom de la démocratie.
Daniel Conrod


Pois bem, este é um excerto breve de um texto publicado no Télérama, revista francesa sobretudo dedicada ao audiovisual, sob o título «Savez-vous que la culture a changé?» .

Ocorreu-me publicá-lo hoje aqui, na contagem decrescente para a primeira consumação pública do crime de lesa-democracia que a Câmara do Porto cometeu/está a cometer/ainda há-de vir a cometer (riscar o que não interesse) com a privatização da gestão do RIVOLI TEATRO MUNICIPAL e a sua entrega ao produtor «faux-Broadway» Filipe la Féria.

O texto integral compara precisamente o aplanamento, o empobrecimento, a repetição mecânica que assola as vidas individuais por via da explosão das indústrias culturais com a «biodiversidade dos olhares» e das experiências que apenas o exercício artístico instala com plena autonomia.

Nem tudo é perfeito neste artigo. Aquilo que me suscita mais dúvidas é a aparente ignorância de que as instituições de criação e difusão artística já fazem em permanência oficinas de prática artística e praticamente toda a famigerada «formação de públicos» (e que quando não fazem, isso resulta de um défice de programa que as autoridades públicas, financiadoras, devem estar preparadas para impedir). E também o facto de esquecer, aparentemente, que aquilo a que se chama «fruição» de bens artísticos, que não é mais do que o simples confronto de um público com uma obra com a comunicabilidade particular que a condição artística lhe confere, também é um garante dessa biodiversidade e da condição democrática.

No entanto, parece-me uma excelente pista de reflexão nestes dias de catástrofe para a cidade.



quinta-feira, 7 de junho de 2007

A União Europeia emitiu a 10 de Maio passado uma Comunicação sobre cultura, ao que parece pela primeira vez desde a sua fundação (mais ou menos na idade do carvão e do aço).

Também pela primeira vez (e este é um ganho civilizacional, cuja originalidade e importância procurarei explicar mais à frente), propõe um mecanismo de concertação de políticas culturais ao nível europeu. Um mecanismo chamado «método aberto de coordenação» que pode ajudar a ultrapassar os bloqueios criados pela competência exclusiva dos estados membros no domínio das políticas culturais. Este «método aberto» não significa que a UE passe a ter competências neste domínio, ou que vá ditar regras únicas para os 27, mas sim que procurará harmonizar estratégias e dotações orçamentais, de modo a ultrapassar os desequilíbrios absurdos que persistem entre os diversos estados membros neste domínio.

O meu dedinho diz-me que, num país que gasta com a cultura uns excitantes 0,3% do orçamento geral (apesar de a ministra continuar a dizer, para espanto geral, que conta chegar a 1% até ao fim da legislatura), só temos a ganhar com a Europa a entrar por aí dentro a negociar algumas regras a sério.

Vou ler e reler a Comunicação com mais profundidade e transmitirei aqui o que me dirá o meu dedinho sobre tão magna questão.Link

Primeiro

Bom, para primeiro post, talvez convenha escrever qualquer coisa de programático.

Interessa-me, em primeiro lugar, a criação artística e o lugar que uma sociedade (ou um conjunto complexo de sociedades como a UE) lhe confere.

Porque trabalho em torno dela já há bastantes anos, porque tive e tenho a possibilidade de conhecer e conviver com o modo como as coisas se fazem não apenas dentro de Portugal como em todo o espaço europeu, e porque considero a existência consequente de políticas culturais como um índice de maturidade civilizacional de qualquer forma de governo.

Em relação a Portugal, estamos conversados.
Depois de um oásis de cinco anos com um verdadeiro ministro da cultura, entre 1995 e 2000 (sim, esse que pelos vistos se tornou uma espécie de bombo da festa, mas a quem ninguém pode, a não ser por ignorância, retirar o mérito de um trabalho estruturante e, dado o estado das coisas, mesmo visionário), tivemos já cinco ministros (e ministras). Aquilo que se conseguiu ganhar com a criação do ministério e cinco anos de políticas (umas melhores, outras nem por isso, mas… políticas!) já quase se perdeu.
Principalmente porque os responsáveis seguintes deixaram (com um cinismo considerável) que o discurso da crise atrofiasse um ministério que ainda não tinha sequer atingido um patamar orçamental mínimo.
Mas também porque a sucessão de cinco ministros em cinco anos, todos eles muito boas pessoas mas sem uma ideia global do empreendimento em que se metiam, impede qualquer tipo de estruturação, de continuidade, de aproveitamento (ou poderia dizer mesmo, de rentabilização) dos escassos e dispersos investimentos realizados.

Há, portanto, quase tudo para fazer. Porque se fez pouco e o que se fez foi paulatinamente destruido ou atrofiado.

O meu dedinho diz-me que vai ser complicado. Que vai demorar muito tempo até que qualquer mudança visível se opere. Que, pelo menos, teremos que esperar por uma futura equipa ministerial para que qualquer mudança positiva comece sequer a operar-se. E que vai ser preciso acender muitas velinhas e ter muita, muita, fé para acreditar que o futuro existe. Mas eu acredito (e até censuro o cepticismo do meu dedinho). E, como diz o outro, a mim, ninguém me cala (ou, enfim, quase ninguém)!