Estou agora mesmo, enquanto teclo, a começar a ler uma coisa que me parece absolutamente essencial: um volumezinho chamado «De la misère symbolique. 1: L'époque hyperindustrielle». Da autoria de Bernard Stiegler, um híbrido de filósofo e gestor das artes (ou então não é um híbrido, porque, resolvida a questão da imodéstia, não se pode ser uma coisa sem a outra…). O segundo tomo, que está já ali ao lado, chama-se «La catastrophè du sensible». A miséria do simbólico!! A catástrofe do sensível!! Será um tratado sobre o Porto? Infelizmente, não (seria fácil, se assim fosse… bastaria emigrar, talvez para Gondomar, onde os futebóis são outros). É um relatório de uma catástrofe mais global: aquela onde o «narcisismo primordial» foi consumido por uma incapacidade de entender a «poesia», onde a líbido deixou de pertencer a cada um, para ser consumida pela publicidade, pela técnica de venda, que é uma técnica de consumição dos poucos recursos que sobram depois da mera reprodução da força de trabalho (ver David Ricardo e a lei de bronze dos salários, fonte da maior parte dos meus problemas de hoje).
Estou a ler e reportarei. Promessa de blogger... irregular.
Para já, fica a epígrafe, buscada por Stiegler em Deleuze, esse desconhecido que dizia umas coisas que parecem tontas às maiorias mas que redesenhou as formas de se ser humano: «Il n'y a pas lieu de craindre ou d'espérer, mais de chercher de nouvelles armes» [diria eu, numa tradução livre de francoguês, não vale a pena temer ou esperar (OK, este esperar tem que ser entendido num sentido mais cheio e o vale a pena também não seria subscrito por muita gente), mas sim procurar novas armas].
Para que o mistério adense, reproduzo também a última frase (espero não estar a derrogar direitos de autor ou a violar leis anti-terroristas), com a qual me consigo identificar completamente e que estou disposto a discutir seja com quem for: «Et c'est aussi pourquoi je le répète et je ne cesserai jamais de le répéter: dans le conflit qui m'oppose aux électeurs du Front national, je leur dis essentiellement mon amitié.» Diríamos, em portogofonês: «E é por isto que eu repito e não deixarei nunca de repetir: no conflito que me opõe aos eleitores do Le Pen, digo-lhes sobretudo a minha amizade».
Até já.
3 comentários:
Viva! O "Se esta rua fosse minha" trouxe-me a este blog. Dia 5 conto lá estar:)
Uma pergunta: já procurei os livros do Bernard Stiegler e não consegui encontrar. Onde conseguiu?
Obrigado,
Zé Miguel
Eu adquiri-os na Amazon.fr (em Amazon.fr)
No entanto, penso que o primeiro tomo («l'époque hyperindustrielle») esgotou entretanto.
Em último caso, pode contactar directamente as:
Éditions Galilée 9 Rue Linné 75005 Paris Tel: 0147078511
ou então, aqui:
Théâtre Contemporain
E agora, José? Pensava que isto era de Cardoso Pires, mas não, é do Drummond de Andrade. A Catástrofe sensível, diria antes A catástrofe do sensível, é quando a barbárie dos signos e clichês se infiltra no íntimo como uma metástase imparável. Esbulharam-nos o miolo do íntimo, raptado pelo espectacular integrado. A comunicação é um fluxo de nadas em circulação frenética.
É um prazer saber que o dedinho anda a fazer o seu terrorismo de inquietações. E o dedinho tem essa capacidade ambivalente: tecla e na horizontal é capaz de paisagens alternativas passeando-se sobre o mexilhão sempre na mesma costa peluda. Aí não há pôr do sol que resista, estriado e absolutamente escapado dos postais, um pôr do sol a cheirar a estevas nos metros quadrados de um silêncio partilhável.
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